Eles são pequenos em tamanho, mas têm potencial para tirar
qualquer marmanjo do sério. Atire a primeira pedra quem nunca se perguntou para
que servem pernilongos, baratas, formigas e cupins, se não para infernizar a
vida de todos. Poucas coisas são mais irritantes do que um pernilongo zumbindo
no ouvido durante a madrugada. Ou mais frustrantes do que tentar acabar com o
passeio das formigas pela pia da cozinha ou o berço do bebê. Para quem imagina
que o problema está só em sua casa ou seu bairro, um consolo: eles estão por
toda parte e cada vez mais presentes nos centros urbanos. Agora a má notícia: é
mais fácil os seres humanos sucumbirem do que os insetos sumirem do mapa.
A culpa é da própria biologia e da facilidade de adaptação
desses animais, que estão no planeta há milhões de anos. O fóssil mais antigo
de barata tem quase 350 milhões de anos. Não é exagero dizer que as baratas
serão uma das poucas espécies a sobreviver a uma bomba atômica. Elas resistem
até um mês sem comida, uma semana sem água e 40 minutos sem respirar. Seus ovos
são imunes a todo tipo de produto químico. “É a consequência natural da
civilização. Pernilongos seguem o ser humano desde o início dos tempos porque
precisam de sangue para sobreviver. E o estilo de vida de hoje propicia o
aumento e a manutenção desses insetos”, diz Anthony Érico Guimarães, entomólogo
da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), do Rio de Janeiro. As formigas e os cupins
são espécies que vivem em colônias e possuem estruturas sociais muito bem
definidas. Constroem ninhos em locais seguros e se espalham rapidamente, o que
dificulta seu controle.
Mosquitos: eles surgiram com os mamíferos, sua fonte de
alimento. No Brasil, há mais de 1,5 mil espécies. As mais comuns nas cidades
são o pernilongo (Culex),
de hábitos noturnos, e o transmissor da dengue (Aedes
aegypti), com hábitos diurnos. A fêmea do pernilongo, que desfere as picadas,
necessita de uma proteína do sangue humano para a maturação de seus ovos. As
fêmeas vivem cerca de 30 dias e botam até quatro mil ovos, dos quais menos da
metade vira novos mosquitos.
Se esses animais estão aqui há tanto tempo, devem ter algum
valor científico, ao menos para os biólogos. “As baratas são excelentes
decompositoras de matéria orgânica”, afirma Marcos Potenza, do Instituto
Biológico de São Paulo. “As formigas são melhores do que as minhocas no preparo
do solo. Elas cavoucam a terra e ajudam na passagem de água e nutrientes para
as plantas”, diz Ana Eugênia de Campos Farinha, também do Biológico. Difícil se
convencer das qualidades de uma barata, mas é melhor isso do que amaldiçoar a
espécie toda vez que se deparar com um exemplar no meio da noite, parada na
cortina do quarto. De uma maneira ou de outra, contribuímos para a proliferação
dessas pragas. Com o crescimento dos centros urbanos ocorre a degradação do
meio ambiente e uma alteração significativa nas espécies animais. “Na natureza,
quem faz o controle ecológico são os predadores. Nas cidades, não há quantidade
suficiente de passarinhos e aranhas para se alimentarem dos insetos e dessa
forma manter o equilíbrio natural”, diz João Justi Júnior, outro pesquisador do
Instituto Biológico de São Paulo.
A expansão habitacional obriga os insetos a mudar de hábitos
para sobreviver. Uma colônia de cupins que vivia numa árvore terá que procurar
outro abrigo, caso sua moradia seja derrubada.
Baratas: Habitam o planeta há mais de 300 milhões de anos e
têm a maior capacidade de adaptação do reino animal. Há quatro mil espécies no
mundo. No Brasil, são mais de 600. As mais comuns nas cidades são a barata de
esgoto (Periplaneta americana), que vive até dois anos e tem até 800 filhotes,
e a barata de cozinha (Blattella germanica), que vive um ano e gera 20 mil
filhotes. Ambas têm hábitos noturnos e se concentram em locais de pouca
atividade (gabinetes de cozinha, lavanderia, garagens e depósitos). São ágeis
graças à articulação das pernas: as dianteiras são para agarrar, as do meio
para levantar o
corpo e as de trás para dar impulso. Algumas espécies (como
a de esgoto) têm atração por bebidas alcoólicas, principalmente a cerveja.
Assim se explica a infestação de insetos em condomínios
construídos nos arredores das grandes metrópoles, onde os cupins devoram as
estruturas e os móveis de madeira de casas novíssimas. Em intensidade
diferente, os insetos causam problemas em quase todos os cantos do País. “É uma
questão de sobrevivência. Os humanos invadem o ecossistema e os cupins são
obrigados a se adaptar e procurar alimentos em outro lugar. E encontram madeira
dentro das casas”, diz o biólogo Potenza. Sem contar que, quanto mais habitantes,
maior é a quantidade de recipientes vazios, vasos, pneus velhos, caixas-d’água
e lixo. Todos ótimos criadouros para pernilongos, baratas e formigas. “Ao
contrário dos borrachudos, que procriam em águas limpas e servem como
indicativo de boa qualidade ambiental, os pernilongos e os mosquitos, de
maneira geral, precisam de um mínimo de água suja e parada para depositarem
suas larvas”, diz Justi. Por isso as campanhas contra a dengue sugerem que se
evite deixar água no prato dos vasos de plantas. “A dengue é transmitida por um
mosquito ligado aos hábitos humanos. A cada ano, cerca de 50 milhões de pessoas
são infectadas no mundo e o Brasil contribui bastante para esse número”, afirma
Guimarães, da Fiocruz.
As reclamações recebidas pela Associação Paulista dos
Controladores de Pragas Urbanas (Aprag) sobre invasões de pernilongos, baratas,
cupins, pulgas e formigas é grande. “Nos últimos três anos, percebemos um
aumento na população de insetos, principalmente entre as formigas.
Formigas: o fóssil mais antigo de formiga tem 80 milhões de
anos. No Brasil, são cerca de 30 espécies adaptadas aos humanos. As formigas
domésticas mais comuns são a fantasma (Tapinoma melanocephalum), a louca
(Paratrechina longicornis), a carpinteira (Camponotus spp), a lava-pés
(Solenopsis), a cabeçuda (Pheidole) e a acrobata (Crematogaster). A lava-pés é
encontrada em parques e jardins; as outras vivem em ambientes fechados. As
formigas são vetores de fungos e bactérias, o que pode contaminar alimentos e causar
doenças.
O clima cada vez mais quente, com invernos menos rigorosos,
piora o quadro”, diz o biólogo Sérgio Bacalini, diretor-executivo da Aprag. No
calor, o ciclo biológico dos insetos é mais acelerado. Eles se reproduzem mais
vezes porque o calor ajuda os ovos a eclodirem antes. Entre as formigas, a
situação é mais complexa. Aquelas que passeiam pela casa em busca de alimento,
as chamadas operárias, representam no máximo 10% da colônia de formigas. E se
percebem algum perigo, elas se separam e criam outros formigueiros, parte deles
interligada por túneis subterrâneos. Essa é a razão pela qual os especialistas
desaconselham borrifar inseticida sobre a fileira de formigas, pois os insetos
sentem o cheiro de produtos químicos a distância. “O ideal é usar iscas
tóxicas, com baixa concentração de veneno. Nem sempre os remédios funcionam
para todas as espécies, e por isso se recomenda procurar ajuda de um
profissional”, explica Ana Eugênia. As operárias levam a isca tóxica para
dentro do formigueiro, alimentam as larvas e as rainhas. Se uma delas morrer no
percurso, o processo inteiro estará comprometido.
Cupins: existem cerca de três mil espécies no mundo. No
Brasil são 500. Nas metrópoles, duas espécies causam maior prejuízo: o cupim de
madeira seca (Cryptotermes brevis) e o subterrâneo ou de concreto (Coptotermes
havilandi). Eles vivem em colônias e se alimentam de madeira e celulose. Os
cupins são mais visíveis na primavera, quando ocorre a revoada dos siriris,
futuros reis e rainhas, que são atraídos pela luz dos postes e residências. Os
cupins de madeira seca são devoradores de móveis e o barulho que se ouve é
resultado da ação de suas mandíbulas.
Formigas de DVD – Algumas espécies, como a lava-pés, picam,
outras mordem e outras liberam uma espécie de ácido que causa alergia na pele.
É o caso da carpinteira, comum dentro de casa e com fascínio por equipamentos
eletrônicos. “Esse ambiente é propício para essas formigas: é quente, protegido
e aconchegante. Elas se alimentam do que há dentro dos equipamentos”, diz Ana
Eugênia. Não raro, os aparelhos são destruídos. Ao passar pelos circuitos
internos, as formigas levam choques que estimulam a liberação de um ácido que
corrói os circuitos. Com as pulgas ocorre algo parecido. Não adianta colocar
remédios nos animais domésticos para exterminá-las. É preciso tratar todo o
ambiente. Isso porque, na falta do hospedeiro natural, no caso cães e gatos, as
pulgas atacam os humanos.
Essa mesma mudança de comportamento transformou em pragas
urbanas outras espécies nativas, uma tendência que os especialistas garantem
que vai aumentar. O caso de maior evidência é o dos carrapatos, que, assim como
pulgas e pernilongos fêmeas, se alimentam do sangue.
Comuns no campo, eles são levados para as cidades a bordo do
corpo de cachorros e gatos que visitam o sítio ou a fazenda nos finais de
semana. “Os animais domésticos viajam para o campo e voltam para casa
infestados de carrapatos”, diz o biólogo Marcos Potenza. O tipo que preocupa os
médicos é conhecido como carrapato estrela, é encontrado em cavalos, bois,
vacas e capivaras e pode infectar humanos. Quando está na fase de larva, ele
provoca coceiras na pele. Ao virar adulto, o carrapato pode transmitir uma
doença chamada febre maculosa. “Por ser um problema recente nas cidades, muitos
médicos não identificam a doença de imediato, mesmo porque os sintomas são
parecidos com os de uma gripe forte, meningite ou leptospirose”, diz Potenza.
Carrapatos: pertencem ao grupo dos ácaros e estão se
tornando uma praga. Os tipos mais comuns são o carrapato estrela (Amblyomma
cajenense), carrapato vermelho (Rhipicephalus sanguineus) e o Amblyomma
cooperi, exclusivo das capivaras. Com o aumento da população desses mamíferos,
é cada vez mais frequente o aparecimento de carrapatos em parques públicos,
matas ciliares, rios e lagos. O estrela está chegando às cidades, trazido por
animais domésticos. O carrapato de cachorro costuma se abrigar em frestas nas
paredes, cortinas e tapetes.
Além dos insetos, viagens ao campo podem facilitar a
migração de outros bichos para as grandes cidades. É o caso das aranhas, que
transitam dentro de sapatos e malas. Comuns na Amazônia e no Sudeste do País, a
mais perigosa delas é a armadeira, que é venenosa e pode saltar até 40 cm em
direção à vítima. Os ataques são mais comuns nos meses de março e abril, o
período de acasalamento. Elas possuem hábitos noturnos e durante o dia
permanecem escondidas sob troncos de árvores, bromélias e em locais escuros,
como sapatos e atrás de móveis e cortinas. As armadeiras não vivem em teias e
atingem 15 cm quando estão com as pernas em posição de ataque. Outra espécie
venenosa de importância médica é a aranha-marrom, que vive em teias
irregulares, comprovando a tese de que quanto mais feia for uma teia, mais
venenosa será a aranha. Elas são pequenas, no máximo três centímetros, têm
hábitos noturnos e preferem clima frio. São encontradas sob raízes de árvores e
folhas caídas, ou ainda entre móveis, telhas e tijolos. Elas não atacam. Picam apenas
quando são pressionadas contra o corpo da vítima.
O tratamento e o combate às pragas urbanas requer paciência,
manejo integrado e, acima de tudo, bom senso. “Formigas numa UTI de hospital
podem trazer riscos à saúde, mas dentro de casa, nem sempre. Além disso, onde
há formigas não há baratas. Elas se alimentam dos ninhos de baratas”, afirma
Carlos Roberto Brandão, diretor do Museu de Zoologia da Universidade de São
Paulo (USP). Os especialistas aconselham medidas básicas: manter o ambiente
limpo, sem restos de comida; consertar vazamentos; rejuntar azulejos; não
acumular papéis e caixas de papelão; e, principalmente, redobrar o cuidado ao
levar vasos e caixas para casa, que são ótimos ninhos.
Convivência – Outra recomendação é não enterrar madeiras e
restos de materiais de construção, os alimentos preferidos dos cupins. “Muitos
aspectos da arquitetura moderna contribuem para o sucesso do cupim subterrâneo.
Enterrar restos de celulose resultantes de obras é fornecer alimento extra a
eles”, assegura Ana Maria Costa Leonardo, da Universidade Estadual Paulista
(Unesp), de São Carlos. Já que a convivência com animais é inevitável, é bom
garantir que, ao menos, ela se dê em harmonia. “Temos a falsa impressão de que
não podemos conviver com bichos. Não podemos esquecer que somos parte da
natureza”, diz Brandão. Bom que os insetos saibam disso, antes que eles
descubram um jeito de nos exterminar.
Uma boa dedetizadora deve ter soluções para todos os tipos de pragas
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